Um amplo conjunto de acções exercidas sobre a paisagem, as cidades, as vilas e o meio rural habitado deram-se em chamar «feísmo» no nosso país. É um termo aplicado mais aos aspectos formais mostrados numa série de fotografias comentadas aparecidas esporadicamente nos meios de comunicação do que a uma reflexão sobre a realidade captada nelas e a sua tipificação; porém, julgou-se necessário abordar justamente isto, e para tal fim foi organizado o I FÓRUM DO FEÍSMO em Novembro de 2004. O resultado recolhe-se no livro Feísmo? Destruír un país, um amplo material de reflexão e documentação fotográfica.

Convocamos agora, dois anos depois, o II FÓRUM INTERNACIONAL SOBRE O FEÍSMO para reflectir desde a Galiza sobre a relação angustiosa homem-território na presente etapa histórica.

Valham os seguintes apontamentos de aproximação ao tema:

O Feísmo não é um fenómeno em concreto senão um estado de coisas, uma forma de relacionar-se com o meio e com os demais e que pode seguramente ir-se tipologizando com reflexões desde muitos âmbitos;

Alguns exemplos:

O modelo de cidade do séc. XIX e o cânon de habitat rural, que conservavam a escala humana, abrem espaço a modelos-albergue que primam a capacidade quantitativa [cidades + bairros, condomínios] ou desaparecem — como é o caso do cânon rural — a partir do séc. XX, e reforça-se de novo a velocidade de trânsito para atravessar territórios construídos cada vez mais vastos, e a não-convivência: é o novo espaço do ser humano-produtor auto-suficiente e rentável.

Os não-lugares consomem uma parte muito importante de recursos públicos e privados; parece que o trânsito e o anonimato obtêm uma maior atenção que «o lugar»: são mais rentáveis a expensas duma perda de humanização — incomunicação, velocidade.

As guerras devastadoras imperialistas e o modelo de reclusão das minorias no séc. XX estreiam uma forma de terror metódico — II Guerra Mundial —: os reclusos são exterminados e constroem-se para isso edificações específicas; apenas 60 anos despois, os palestinianos padecem uma reclusão que inclui no seu assassinato o castigo à família e ao próprio território: destruição das hortas e as vivendas, bombardeio de edifícios suspeitosos com os seus habitantes dentro...;

o Muro físico visualiza a repulsa pelo outro — Palestina, EUA, Ceuta —; não são muros defensivos, mas afirmação icónica do modelo cárcere-reserva-de-massas.

A realidade-ficção dos meios de comunicação estabelece territórios virtuais simplificados estatísticos e pré-interpretados: a história é história antes de ocorrer, decreta-se e assim não há que a pensar; a política gira em torno a manchetes jornalísticos e o pensamento do cidadão mede 30 x 40 cm por tema e dia, foto falsificada incluída. O planeta vive-se ao seu través — notícias de guerras, catástrofes ou da ‘Beautiful People’ — [ou, como mal menor, a través do turismo exótico]. Falamos cada vez mais sobre o que dizem os media; são os notários, o resto da realidade não existe.

A virtualidade, o comércio do conhecimento, o papel da bolsa, são hoje suporte fundamental do valor acrescentado: o capitalismo industrial cedeu ante o financeiro, e este redefine-se segundo a rentabilidade de conceitos como a velocidade na transmissão de dados ou a titularidade do espaço exterior: instantaneidade e novos territórios de poder; a vivenda parece ter só un valor hipotecario; o solo o da especulación: ambos, flutuantes, inestábeis; carga desacougante aquela, tesouro amoral este.

A membrana Terra é tensada física e sociologicamente com agressões de dimensões e sanha inimagináveis só há uns anos. As cortas anuais na Amazónia do tamanho da Bélgica, a construção da barragem ou novo mar interior chinês, com o deslocamento de 600.000 pessoas; migrações forçadas de milhões de cidadãos que arriscam a vida fugindo da miséria, assédios e ocupações preventivas com milhões de mortes; cidades que crescem exponencialmente fora de controlo, migração de grandes centros de produção na procura de mão-de-obra barata, deixando milhares de desempregados, rapina de países inteiros aos quais se extrai a sua riqueza condenando-os à miséria. Estas tensões estabilizam a sua progressão e estão a definir novos territórios despojados de sentido ou de difícil intelectualização, separados por espaços vazios, de trânsito, às vezes desérticos; são os territórios do feísmo e a provisoriedade, o habitat da solidão e da pobreza.

Em todos estes casos, o conceito de território cumpre funções novas quase sempre ligadas a experiências inumanas, amorais e angustiosas. Em sítios como Brasil ou China, por exemplo, directamente destrói-se ou altera-se de forma dramática, submetendo centos de milhares de pessoas ao desapego e à perda da sua história pessoal e colectiva.

Na Galiza, o intracolonialismo — em tempos foi externo; hoje, nós próprios bastamos para destruir o país — faz estragos: milhares de incêndios, construção massiva devastadora, pedreiras, barragens, agressões ecológicas selvagens...

O feísmo instala-se, avança, canoniza-se; mas é só um sintoma. Estamos talvez ante uma manifestação dum modelo que se aproxima ao colapso vertiginosamente.